As ações policiais nas favelas do Rio de Janeiro causam um prejuízo de pelo menos R$ 14 milhões por ano aos moradores dessas comunidades. Eles relatam que, com as ações, ficam muitas vezes impedidos de ir ao trabalho ou precisam fechar os comércios locais, além de terem os estabelecimentos e produtos danificados em trocas de tiros e interrupções de fornecimento de serviços essenciais como eletricidade e água.
As informações são da pesquisa, inédita, Favelas na Mira do Tiro: Impacto da Guerra às Drogas na Economia dos Territórios, lançada nesta segunda-feira (18) pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC).
“É muito dinheiro e é um dinheiro que faz falta. É o custo que essas pessoas estão pagando por uma guerra que elas não pediram para estar. É o custo causado por ações violentas e desordenadas do próprio Estado”, disse a socióloga Rachel Machado, coordenadora de pesquisa do CESeC.
A pesquisa foi feita com 400 moradores do Complexo da Penha e com 400 do Complexo de Manguinhos, ambos na zona norte da cidade. Os dois territórios foram os com maior incidência de tiroteios decorrentes de ações policiais entre junho de 2021 e maio de 2022, de acordo com dados do Instituto Fogo Cruzado, que reúne informações sobre violência armada no Rio de Janeiro e em outras localidades.
Foram entrevistados também 303 comerciantes das favelas Vila Cruzeiro, na Penha, e Mandela de Pedra, em Manguinhos, as mais afetadas pelas trocas de tiros dentro desses complexos.
Os dados mostram que 60,4% dos moradores dos complexos da Penha e de Manguinhos, que exerciam atividades remuneradas, ficaram impedidos de trabalhar por causa de operações policiais que ocorreram ao longo do ano que antecedeu a pesquisa. Eles relatam que perderam, em média, 7,5 dias de trabalho, o equivalente a uma semana e meia ou 2,8% de um ano com 264 dias úteis.
Considerando que renda média da população acima de 18 anos de idade nesses territórios é R$ 1.652 por mês, o trabalho que deixa de ser realizado por causa das ações policiais gera uma perda anual de R$ 9,4 milhões. Esse valor é somado aos prejuízos decorrentes da reposição ou reparo de bens danificados pelas ações violentas, que chegam a R$ 4,7 milhões por ano nos dois complexos.
O estudo estima, então, um prejuízo anual de aproximadamente R$ 14 milhões em consequência das ações policiais.
“As operações acontecem de manhã, na hora que as crianças estão indo para as escolas, que as crianças estão fazendo suas atividades e pessoas estão indo trabalhar. Muitos moradores ficaram sem trabalhar, impedidos de sair de casa e também relataram prejuízos com bens que foram avariados, destruídos e precisaram ou consertar ou repor esses bens por conta de tiroteios, por conta de ações da polícia”, disse Rachel Machado.
A pesquisa mostra ainda que 56,6% dos moradores relataram ficar impedidos de utilizar os meios de transporte; 42,8% de realizar atividades de lazer; 33,3% de receber encomendas; 32,3% não conseguiram comparecer a consultas médicas, e 26% não puderam estudar.
Com a participação dos moradores, a pesquisa mapeou todos os 367 estabelecimentos da Vila Cruzeiro e da Mandela de Pedra. Desses, 303 seguiam em funcionamento no momento da aplicação dos questionários. Apenas para o comércio local, somadas as perdas com a diminuição das vendas e atendimentos e os custos de reparo e reposição, o prejuízo total com as operações policiais foi estimado em R$ 2,5 milhões por ano, o que representa 34,2% do faturamento desses empreendimentos.
Os tiroteios com agentes de segurança causaram o fechamento temporário de 51,3% dos estabelecimentos da Vila Cruzeiro e de 46,3% de Mandela de Pedra nos 12 meses anteriores à pesquisa. Em ambas as favelas, 51,2% dos empreendimentos tiveram diminuição em suas vendas e/ou atendimentos.
Na Vila Cruzeiro, 18,7% dos comerciantes tiveram bens danificados ou destruídos em decorrência de ações policiais nos 12 meses anteriores à pesquisa. Em Mandela de Pedra, esse percentual foi de 9%.
“Esse impacto que os comerciantes relataram é um impacto muito grande e não é apenas no dia da operação que eles fecham e perdem o faturamento do dia, no dia seguinte à operação a favela não se porta normalmente. Pessoas morrem, fica um clima de ansiedade, de violência e insegurança. Então, tem perda não apenas no momento específico da operação, mas também alguns dias depois”, disse Rachel Machado.
A pesquisa é a quarta etapa do projeto Drogas: Quanto Custa Proibir. As pesquisas anteriores focaram nos impactos no orçamento público, na educação, com o fechamento de escolas, e na saúde, tanto com o fechamento de postos como na saúde mental e física das populações das áreas de conflito.
Rachel Machado explicou que essa etapa da pesquisa calcula as perdas que podem ser valoradas. Mas, segundo ela, é importante lembrar que as operações e a violência constantes nas favelas deixam marcas que não podem ser estimadas. “Existem os custos que essas pessoas têm que muitas vezes pagam com a vida, que a gente não calcula, que não são prejuízos reparáveis. Essas pessoas perdem suas vidas e essas operações causam muita dor, muito sofrimento”, disse.
De acordo com o Instituto de Segurança Pública (ISP), do governo estadual, 1.327 pessoas morreram em ações das forças de segurança do estado do Rio de Janeiro em 2022, o equivalente a 29,7% de todas as mortes violentas (homicídios dolosos, mortes decorrentes de ação policial, roubo seguido de morte e lesão corporal seguida de morte) registradas no ano, que totalizaram 4.473.
Segundo o Instituto Fogo Cruzado, nos últimos 7 anos, entre julho de 2016 e julho de 2023, as ações e operações policiais foram o principal motivo para vitimar crianças e adolescentes. Nesse período, 112 crianças e adolescentes foram mortas e 174 ficaram feridas.
Ainda segundo o instituto, desde o início deste ano, 100 agentes de segurança pública foram baleados na região metropolitana do Rio de Janeiro. Desse total, 44 morreram e 56 ficaram feridos.
“Sabemos que esses territórios são majoritariamente negros e são essas mães que choram a morte de seus filhos nessas ações. Frequentemente temos crianças que são mortas nessas ações policiais. A conta não bate, não vale a pena por uma dita guerra às drogas que, na verdade, causa sofrimento e dor para os territórios das favelas e para as pessoas negras majoritariamente que estão lá. É uma guerra que é territorializada e que não cumpre com seu objetivo específico, que é diminuir a circulação, o tráfico e a venda de drogas, mas que, por outro lado, causa dor, sofrimento e morte, além dos impactos econômicos que a gente menciona na pesquisa”, avalia Rachel Machado.
A Secretaria de Estado de Polícia Militar do Rio de Janeiro (SEPM), disse, em nota, que as ações da corporação são planejadas “com base em informações de inteligência, sendo pautadas por critérios técnicos e pelo previsto na legislação vigente, tendo como preocupação central a preservação de vidas”.
A SEPM disse que, junto ao governo do estado, vem investindo em treinamento, nas melhorias das condições de trabalho dos policiais e em equipamentos “para que as ações da corporação sejam cada vez mais técnicas e seguras para seus integrantes e a sociedade”.
Outra medida que vem sendo tomada pela secretaria é a utilização de câmeras operacionais individuais são usadas pelos policiais em serviço. No Centro Integrado de Comando e Controle (CICC), segundo a secretaria, há um sistema que permite o monitoramento em tempo real dos policiais que estão usando as câmeras, sendo possível saber sua localização exata e a ter contato com ele, caso seja necessário.
A SEPM informou que todos os 39 batalhões de área em todo o estado já receberam as câmeras corporais, assim como algumas unidades especializadas.
Já a Secretaria de Estado de Polícia Civil (Sepol) disse, em nota, que realiza planejamentos prévios detalhados, com base em informações de inteligência, incluindo mapeamento de local, em todas as operações. “As ações da instituição sempre priorizam a preservação de vidas, tanto dos agentes quanto dos cidadãos”, disse.
A Sepol informou que conta ainda com a Agência Central de Inteligência, a maior do ramo da segurança pública estadual do país, que assessora a tomada de decisões estratégicas e operacionais no combate ao crime.
“A atuação em comunidades é parte das ações de combate à criminalidade e se trata de um trabalho fundamental, uma vez que as organizações criminosas utilizam os recursos advindos com as práticas delituosas para financiar seus domínios territoriais, com a restrição de liberdade dos moradores das regiões ocupadas por elas”, disse a Sepol.
Agencia Brasil
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