Duas cadeias de montes e bancos submersos no litoral nordeste do Brasil, formadas por atividades vulcânicas no assoalho do Oceano Atlântico, são foco de preocupação de pesquisadores especializados na biodiversidade marinha. Dispostos paralelamente às costas do Ceará e Rio Grande do Norte, esses acidentes geológicos se estendem por cerca de 1,3 mil quilômetros na margem equatorial brasileira.
Apesar de se estenderem por centenas de quilômetros, as cadeias têm apenas duas porções que rompem a superfície da água e brotam no oceano como ilhas: o Atol das Rocas e o arquipélago de Fernando de Noronha, ambas na cadeia de Fernando de Noronha. A cadeia Norte Brasileira, situada um pouco mais ao norte, é completamente submersa.
Isso não faz muita diferença para os pesquisadores porque, na verdade, é na parte submarina que se encontra grande parte da biodiversidade marinha. Nos topos dos montes, alimentadas por nutrientes levados do fundo do oceano por ressurgências (tipo de corrente marinha), existem formações de corais que têm atraído a atenção de cientistas.
E é justamente essa parte submersa que está mais ameaçada. Ela faz parte da chamada Bacia Potiguar e foi incluída na 17ª rodada de licitação para exploração de petróleo e gás da Agência Nacional de Petróleo (ANP), realizada em 2021.
Os blocos que se sobrepõem aos bancos vulcânicos de Guará, Sirius e Touros não receberam propostas de petrolíferas e, por isso, não foram leiloados. Mas o risco para a região prossegue, segundo os cientistas envolvidos com as pesquisas de biodiversidade no Nordeste, já que alguns blocos continuam sendo incluídos na Oferta Permanente de Concessão (OPC) da ANP.
Segundo a ANP, há inclusive empresas interessadas em arrematar blocos do setor SPOT-AP2, que se sobrepõe parcialmente aos bancos de corais, já na próxima sessão da OPC, que ocorre no dia 13 de dezembro.
Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste (Cepene), vinculado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) defendem a criação da Área de Proteção Ambiental (APA) dos Bancos de Noronha e Ceará.
A área proposta pelos pesquisadores se estende por 22,7 milhões de hectares. “Vários desses bancos não têm nenhum nível de proteção. Os únicos que têm são Atol das Rocas e Fernando de Noronha”, afirma Mauro Maida, professor do Departamento de Oceanografia da UFPE.
Maida está à frente do Sassanga, um sistema de monitoramento remoto de vídeos submarinos que vem mapeando a região. Segundo ele, a área dos bancos de Noronha e Ceará contém formações com até 100% de cobertura de corais em alguns pontos não protegidos.
“É a maior cobertura viva de coral em um recife no Brasil. Esses bancos são reconhecidamente importantes pela ONU (Organização das Nações Unidas). O governo tem que criar uma unidade de conservação, senão vamos perder isso.”
Recentemente, pesquisas com o Sassanga encontraram um recife de coral, antes desconhecido, ao sul de Fernando de Noronha.
“Só se imaginava que os recifes de Noronha fossem nos Dois Irmãos. A gente conseguiu mapear esse (novo) recife, que tem 24 quilômetros quadrados (km²), localizado a 50 metros de profundidade. É um dos maiores bancos de Montastrea cavernosa (espécie de coral) do Brasil”, destaca.
As pesquisas na região de Noronha também deram origem a outra proposta: proibir a pesca em partes do entorno do arquipélago para recuperar a população de peixes no local.
A ideia é que a APA dos Bancos de Noronha e Ceará tenha áreas fechadas para a pesca também, nos pontos dos recifes de corais, localizados nos bancos submersos. Segundo Maida, o mapeamento dos bancos deve ser concluído em uma expedição, a ser realizada em janeiro.
Em seguida, será iniciado o processo para a criação da APA, que dependerá de autorização do Ministério do Meio Ambiente e da Presidência da República, segundo o pesquisador.
O Brasil tem cerca de 20 unidades de conservação que protegem ambientes recifais, sendo a Reserva Biológica de Atol das Rocas, criada em 1979, a mais antiga delas. Apesar disso, apenas uma pequena parcela é totalmente protegida da ação do homem (pesca, turismo ou qualquer tipo de exploração).
“Se você juntar todas as áreas protegidas, onde você não pode pescar ou destruir habitat, a área é de um pequeno ponto, em relação ao resto da Amazônia Azul. Nos outros lugares, você pode fazer o que quiser: pode matar tudo, pode destruir o recife de coral, pode fazer o que quiser”, alerta Maida.
Na APA Costa dos Corais, que se estende entre os litorais de Tamandaré, em Pernambuco, e a capital alagoana, Maceió, existe uma pequena área fechada para a pesca e o turismo.
Ali, desde 1999, os pesquisadores vêm monitorando o efeito dessa preservação para a saúde do recife de coral. “A gente teve uma mudança na estrutura do coral. Antes (do fechamento da área), tinha muito ouriço-do-mar. Os ouriços naturalmente foram sumindo por predação de lagosta, de outros bichos. A estrutura do ecossistema mudou muito. Sem falar na quantidade de peixe que tinha sumido dos recifes daqui e que voltaram, como os budiões bico-verde (Scarus trispinosus, endêmica do Brasil, em perigo de extinção)”.
Aos 63 anos, Binho Mendes hoje está aposentado e não precisa mais pescar para sobreviver, mas continua jogando suas tarrafas nas praias de Tamandaré, para complementar suas refeições. Muitas vezes, recorre ao recife para providenciar seu pescado.
“Faz 20 e poucos anos que essa área tá proibida. Os pescadores respeitam a área, porque a gente sabe que assim não acaba com as populações dos peixes”, afirmou o pescador, enquanto arrastava sua pequena canoa, carregada com sardinhas, de volta à areia da praia de Tamandaré.
A área fechada para a pesca e o turismo fica em frente à sede do Cepene, órgão governamental voltado para as pesquisas de conservação da biodiversidade marinha do Nordeste.
O centro de pesquisas, criado em 1983, como um sucessor da Escola de Pesca de Tamandaré, tinha inicialmente a função de desenvolver a atividade pesqueira no Nordeste.
Dez anos depois, com a chegada de pesquisadores da UFPE, o centro começou a desenvolver ações de pesquisa, conservação e manejo dos recifes de coral. Foi nessa época, em 1993, que começou a movimentação para a criação da APA Costa dos Corais.
“Existe um processo de extinção das espécies (marinhas). Várias espécies de peixes, crustáceos, invertebrados em geral estão ameaçadas de extinção. Os ecossistemas de corais são muito diversos. Apresentam diversidade de peixes, lagostas, camarões, moluscos, além dos mamíferos e das tartarugas também. Então, hoje uma das funções do centro de pesquisa é promover, desenvolver ações de pesquisa e monitoramento, e também propor atitudes de recuperação tanto das espécies como dos ambientes”, explica o coordenador do Cepene, Leonardo Messias.
Por meio de nota, a ANP informou que a agência segue uma resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que estabelece que a outorga de áreas levará em consideração estudos de avaliação ambientais de bacias sedimentares.
“Alternativamente, para as áreas cujos estudos ainda não tenham sido concluídos, as avaliações sobre possíveis restrições ambientais serão sustentadas por manifestação conjunta do Ministério de Minas e Energia (MME) e do Ministério do Meio Ambiente (MMA). É importante destacar que a aprovação de inclusão dos blocos pelos ministérios nas rodadas de licitações não significa aprovação tácita para o licenciamento ambiental”, diz a nota da ANP.
De acordo com a agência, qualquer atividade de exploração ou produção exigirá um detalhado processo de licenciamento ambiental.
“O licenciamento ambiental realizado pelos órgãos ambientais competentes é condição obrigatória para a realização de qualquer atividade em um bloco sob contrato”.
*A equipe da Agência Brasil viajou a convite da Fundação Grupo Boticário
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