“Tem-se visto piscinas com três metros de profundidade nas maiores competições, mas esta possui um valor bastante inferior (estimado em 2,15). É claro que, para uma prova normal, continua a ser uma piscina de excelência, mas estamos a falar do maior evento desportivo e todos os pormenores contam. Esse é o fator que parece fazer a diferença relativamente às últimas edições dos Jogos Olímpicos”, explicou à agência Lusa Daniel Marinho, responsável técnico da Federação Portuguesa de Natação (FPN) e professor catedrático do Departamento de Ciências do Desporto da Universidade da Beira Interior.
As primeiras 15 finais cumpridas na La Défense Arena, na capital de França, falharam a renovação de recordes mundiais, invertendo uma histórica tendência de superação nas provas olímpicas de natação, cujo auge remonta a Pequim2008, com 25 novas marcas.
Essa fasquia foi acompanhada em solo chinês por 65 recordes olímpicos e teve notória influência de polémicos fatos de banho, que aumentavam a velocidade, flutuabilidade e resistência dos atletas, mas seriam banidos pela World Aquatics (WA) dois anos depois.
“As piscinas têm tido três metros de profundidade desde Pequim2008. Parece um pouco estranho que Paris não tenha acompanhado essa tendência, até porque fez uma grande aposta para obter equipamentos e infraestruturas de elevado nível e a WA também tem apontado nesse sentido nas grandes provas”, enquadrou o também diretor do Centro de Investigação em Ciências do Desporto, Ciências da Saúde e Desenvolvimento Humano.
Habitual espaço para eventos culturais e desportivos, incluindo os duelos disputados na condição de anfitrião pelo Racing 92, que atua no escalão principal do râguebi gaulês, a La Défense Arena foi reformatada para acolher pela primeira vez competições aquáticas.
Se as eliminatórias do polo aquático também irão ser ali disputadas, a natação artística – que exige três metros de profundidade – decorre na piscina do Centro Aquático de Paris.
“Quanto mais profunda a piscina for, mais espaço há para que a turbulência (ocasionada pelas braçadas dos nadadores) se dissipe e tenha impacto reduzido à superfície. Quanto mais afastado um atleta estiver de um obstáculo físico, menos arrasto hidrodinâmico vai sofrer. Por isso, é diferente nadar na primeira ou na terceira pista. As piscinas têm pistas exteriores para evitar obstáculos, sobretudo as paredes laterais”, indicou Daniel Marinho.
O docente admite que a diferença de 85 centímetros em causa pode sentir-se mais “nas provas de velocidade e em estilo livre”, tal como mostraram o romeno David Popovici, ao impor-se nos 200 metros livres ao fim de 1.44,72 minutos – a pior marca de um campeão olímpico na distância desde Sydney2000 -, ou o italiano Nicolo Martinenghi, que precisou de 59,03 segundos para dominar a decisão mais lenta em duas décadas dos 100 bruços.
“Por outro lado, temos assistido a um aspeto interessante: as finais têm sido ligeiramente mais lentas do que as ‘meias’. Não é que seja totalmente inédito, mas vai um bocadinho contra aquela tendência de que, por norma, as finais são (os momentos cruciais) para se fazerem os melhores tempos. Parece-me que estamos a ver provas mais táticas”, notou.
Disputados em 2021, devido à pandemia de covid-19, os últimos Jogos atualizaram seis recordes mundiais e 33 olímpicos na natação pura, enquanto Paris2024 já renovou meia dúzia de marcas fixadas no maior evento desportivo e vai ter mais 20 finais até domingo.
“Não sei se será apenas por uma questão de estratégia ou se estarão outros fatores (em jogo), tais como a ansiedade, o nervosismo e o não conhecer tão bem os opositores, até porque houve diversas provas (pouco dispersas) por causa da covid-19 e sem o intervalo regular que habitualmente existe entre Jogos Olímpicos, Mundiais e Europeus”, finalizou.