Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Podcast Crianças Sabidas: 60 anos do golpe militar de 1964

Podcast Crianças Sabidas: 60 anos do golpe militar de 1964


LOCUTOR: 60 ANOS DO GOLPE MILITAR DE 1964 

MÚSICA APESAR DE VOCÊ, CHICO BUARQUE
Hoje você é quem manda 
Falou, tá falado 
Não tem discussão, não 
A minha gente hoje anda 
Falando de lado e olhando pro chão 
Viu? 
Você que inventou esse Estado 
Inventou de inventar 
Toda escuridão 
Você que inventou o pecado 
Esqueceu-se de inventar o perdão 
CAI A BG 
MADU: Nossa! Falou, tá falado. Não tem discussão…  não pode discordar? Ter uma opinião diferente? 
AKEMI: Pois é Madu… hoje vamos falar dessa “página infeliz da nossa história” 
MÚSICA VAI PASSAR, CHICO BUARQUE 44’ 
Num tempo 
Página infeliz da nossa história 
Passagem desbotada na memória 
Das nossas novas gerações 
Dormia 
A nossa pátria-mãe tão distraída 
Sem perceber que era subtraída 
Em tenebrosas transações 
SOM DE FREIO  
MADU:
Espera aí!! Antes vamos nos apresentar, né? 
AKEMI: Ih, é mesmo. É que hoje a gente vai falar de tanta música bonita e que ao mesmo tempo trazem histórias tristes que eu me empolguei. Eu sou Akemi Nitahara, jornalista da Empresa Brasil de Comunicação, e voltamos com o podcast Crianças Sabidas. 
MADU: Eu sou a Maria Eduarda, tenho nove anos e sou a perguntadeira. Então, qual o tema de hoje? Que tempo foi esse que as pessoas falavam de lado e o Estado era uma escuridão? 
AKEMI: Foi um golpe que aconteceu há 60 anos, Madu… 
MADU: (interrompendo) 60 anos também é mais velho que a minha avó!! Que nem aquela declaração dos direitos humanos que a gente falou no primeiro episódio desse podcast. 
AKEMI: Isso, e esse também tem muito a ver com os Direitos Humanos. Ou melhor, com o desrespeito aos Direitos Humanos, né? Foi o Golpe Militar, que aconteceu na madrugada do dia 31 de março para primeiro de abril de 1964, e instituiu uma ditadura no Brasil que durou 21 anos. 
MADU: Nossa, 21 anos é muuuuuito tempo! É a idade da minha tia, que já está na faculdade! As pessoas passaram esse tempo todo sem poder discutir nada? Era “falou tá falado” mesmo? 
 

MÚSICA COMPORTAMENTO GERAL, GONZAGUINHA 
Você deve aprender a baixar a cabeça 
E dizer sempre muito obrigado 
São palavras que ainda te deixam dizer 
Por ser homem bem disciplinado 
Deve, pois, só fazer pelo bem da nação 
Tudo aquilo que for ordenado 
CAI A BG 
AKEMI:
Pois é, foram tempos bem complicados, como já ouvimos aqui com o Gonzaguinha e o Chico Buarque… mas os artistas falaram bastante. E sofreram maus bocados por causa disso. Vamos tocar algumas músicas da época e trazer uma convidada pra ajudar a gente a explicar melhor essa história. 
FABÍOLA:
Eu sou Fabiola Camargo, sou professora de História da Rede Pública e no mestrado eu estudei sobre polícias políticas. 
SOBE SOM: Parte vocal inicial de Cálice 
LOCUTOR: Parte 1: Censura 

MÚSICA CÁLICE CHICO BUARQUE E MILTON NASCIMENTO
Como é difícil acordar calado 
Se na calada da noite eu me dano 
Quero lançar um grito desumano  
Que é uma maneira de ser escutado 
Esse silêncio todo me atordoa 
Atordoado eu permaneço atento 
Na arquibancada pra a qualquer momento 
Ver emergir o monstro da lagoa 
Pai, afasta de mim esse cálice 
Pai, afasta de mim esse cálice 
Pai, afasta de mim esse cálice 
De vinho tinto de sangue 

MADU: Mas é cálice de vinho ou cale-se de ficar calado? 
AKEMI: Esse é o jogo de palavras da música, Madu. Fala da censura que os artistas, jornalistas, escritores e até professores sofriam. As pessoas não podiam se expressar livremente. Principalmente, não podiam questionar o governo militar. 
FABÍOLA: Nessa música do Chico Buarque, ele usou uma metáfora, que significa usar uma palavra para explicar outra palavra. Nesse caso, com a palavra cálice, que é o tipo de um copo de vinho, foi usado para explicar que as pessoas estavam sendo caladas, não podiam dizer o que pensavam. Foram mulheres, professores, estudantes, operários, jornalistas, ninguém podia discordar do governo. 
SOBE SOM: MÚSICA ACORDA AMOR, CHICO BUARQUE
Acorda amor 
Eu tive um pesadelo agora 
Sonhei que tinha gente lá fora 
Batendo no portão, que aflição 

LOCUTOR: Parte 2: Repressão 
MÚSICA TERRA, CAETANO VELOSO 

Quando eu me encontrava preso 
Na cela de uma cadeia 
Foi que eu vi pela primeira vez 
As tais fotografias 
Em que apareces inteira 
Porém lá não estavas nua 
E sim, coberta de nuvens 
Terra, terra! 
Por mais distante 
O errante navegante 
Quem jamais te esqueceria? 

MADU: Preso mesmo? Por que prenderam o Caetano Veloso? Ele cometeu algum crime? 
AKEMI: No caso do Caetano, a acusação foi que ele tinha desrespeitado o Hino Nacional, cantando o verso em ritmo de Tropicália. Mas ele mesmo falou que isso é impossível, porque o número de versos não cabe na música. 
SOBE SOM TROPICÁLIA

Sobre a cabeça, os aviões 
Sob os meus pés, os caminhões 
Aponta contra os chapadões 
Meu nariz 
Eu organizo o movimento 
Eu oriento o Carnaval 
Eu inauguro o monumento 
No Planalto Central do país 

AKEMI: Percebeu? Sobre a cabeça os aviões… Ouviram do Ipiranga as margens plácidas… as estrofes do Hino são maiores que as da Tropicália. Então, as desculpas para prender as pessoas eram as mais malucas e absurdas. Mas a repressão não atingiu só os artistas, né Fabiola? 
FABÍOLA: Verdade, Akemi. Pessoas foram presas, machucadas ou sumiram. Muitas pessoas ninguém nunca mais encontrou. Mães, filhos, sobrinhos, amigos, amigas desapareceram. O governo mandava prender e machucar, como forma de deixar o povo calado. 
AKEMI: Mas qual era a justificativa para prender essas pessoas? 
FABÍOLA: Às vezes a justificativa não era pautada em algum motivo concreto, mas houve diversos atos institucionais, que eram medidas para calar as pessoas, fechar congresso, impedir partidos políticos de funcionar. 
SOBE SOM DIVINO MARAVILHOSO, GAL COSTA
Atenção 
Tudo é perigoso 
Tudo é divino, maravilhoso 
Atenção para o refrão, uau! 
É preciso estar atento e forte 
Não temos tempo de temer a morte 
É preciso estar atento e forte 
Não temos tempo de temer a morte 

LOCUTOR: Parte 3: Resistência 
MÚSICA PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES, GERALDO VANDRÉ

Caminhando e cantando 
E seguindo a canção 
Somos todos iguais 
Braços dados ou não 
Nas escolas, nas ruas 
Campos, construções 
Caminhando e cantando 
E seguindo a canção 
Vem, vamos embora 
Que esperar não é saber 
Quem sabe faz a hora 
Não espera acontecer 
 
MADU:
Ah, então teve resistência! O que as pessoas que não concordavam com a ditadura militar faziam? 
AKEMI: Então, tinha muita denúncia por parte dos artistas, os estudantes faziam atos e reuniões… E também teve os grupos que se organizaram para combater o governo mesmo. 
FABÍOLA: É, é isso mesmo. Por exemplo, naquele momento histórico, o governo civil militar fez diversos decretos para que as pessoas não tivessem mais direitos, desfazendo organizações, partidos, mas o povo continuou a se organizar em sindicatos, grêmios, para lutar de alguma forma contra a violência que estavam vivendo, escrevendo jornais, se comunicando, denunciando dentro e fora do Brasil. 
AKEMI: Até a União Nacional dos Estudantes também, né, foi perseguida e foi dissolvida, né? 
FABÍOLA: Isso, a UNE também foi perseguida, os estudantes foram muito violentados nesse momento. 

SOBE SOM AQUELE ABRAÇO, GILBERTO GIL
Alô, moça da favela, aquele abraço 
Todo mundo da Portela, aquele abraço 
Todo mês de fevereiro, aquele passo 
Alô, banda de Ipanema, aquele abraço 
Meu caminho pelo mundo eu mesmo traço 
A Bahia já me deu régua e compasso 
Quem sabe de mim sou eu, aquele abraço 
Pra você que meu esqueceu, aquele abraço 
Alô, Rio de Janeiro, aquele abraço 
Todo o povo brasileiro, aquele abraço 

LOCUTOR: Parte 4: Exílio 
MÚSICA MEU CARO AMIGO, CHICO BUARQUE

Meu caro amigo, me perdoe, por favor 
Se eu não lhe faço uma visita 
Mas como agora apareceu um portador 
Mando notícias nessa fita 
Aqui na terra tão jogando futebol 
Tem muito samba, muito choro e rock’n’roll 
Uns dias chove, noutros dias bate Sol 
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta 

MADU: Pra quem o Chico escreveu essa música? 
AKEMI: A música é dele e do Francis Hime. Eles escreveram para o Augusto Boal, criador do Teatro do Oprimido, que estava exilado em Portugal. Na letra ele fala também que “o correio andou arisco”, é porque as cartas podiam ser abertas, então não era seguro mandar nada escrito. Por isso ele fala que manda uma fita. 
MADU: O que é fita? 
AKEMI: Ih, verdade, não é do seu tempo, né? Antes de existir CD… 
MADU:
CD eu até já vi, aqui mesmo na Rádio Nacional, mas também nem tenho mais onde escutar… 
AKEMI: É mesmo… então, sabe uma mensagem de áudio que você manda pelo WhatsApp? É mais ou menos isso. Uma fita cassete dava pra gravar em casa e não quebrava fácil, então era uma forma de enviar mensagens gravadas naquele tempo, pelo correio mesmo. E também era uma forma de gravar seleções de música pra dar de presente… não tinha isso de lista no Spotity. Eu mesma, ganhei uma fita tem mais de 20 anos e estou casada com ele até hoje. 
 

MÚSICA MARIA BETHANIA, CAETANO VELOSO 
Maria Bethânia 
Please, send me a letter 
I wish to know things are getting better 
Beta, Beta, Beta, Beta, Bethânia 
 
MADU:
Maria Bethania é a irmã do Caetano, né? 
AKEMI: Isso, ele estava em Londres e pede para a irmã enviar uma carta, na esperança de ter notícias de que as coisas estivessem melhor no Brasil. 
FABÍOLA: Muitas pessoas foram exiladas mesmo. Eram expatriadas ou se mudavam para fora do Brasil, pois eram acusadas de ir contra o governo. Não podiam se expressar, não podiam dizer o que pensavam, nem sentiam. Esse foi o caso de muitos músicos, artistas, como Caetano Veloso, Chico Buarque e até o educador Paulo Freire, né, é, que foi um importante educador no Brasil e para o mundo também. 
AKEMI: Paulo Freire é um dos pesquisadores brasileiros mais utilizados no mundo todo, né? Pedagogia do Oprimido. 
FABÍOLA: Isso, e ele, quando veio o golpe, ele estava com um programa de educação de jovens e adultos, né? Então, ele conseguia alfabetizar em um tempo recorde e estava no Ministério da Educação naquele momento. E aí foi retirado desse cargo do governo. 
AKEMI: Paulo Freire atualmente é o patrono da educação brasileira, né? 
FABÍOLA: Sim, é o patrono nosso.  

MÚSICA BACK IN BAHIA, GILBERTO GIL
Lá em Londres, vez em quando me sentia longe daqui 
Vez em quando, quando me sentia longe, dava por mim 
Puxando o cabelo 
Nervoso, querendo ouvir Celly Campelo pra não cair 
Naquela fossa 
Em que vi um camarada meu de Portobello cair 
Naquela falta 
De juízo que eu não tinha nem uma razão pra curtir 
Naquela ausência 
De calor, de cor, de sal, de sol, de coração pra sentir 
Tanta saudade 
Preservada num velho baú de prata dentro de mim 

MADU: Se aconteceram coisas tão ruins nessa época, por que a gente ainda fica lembrando disso tudo? Não era melhor deixar pra lá? 
AKEMI: Nããão, Madu! Tem um lema do grupo Tortura Nunca Mais que fala assim: “para não se esquecer, para nunca mais acontecer”. 
FABÍOLA: Exatamente, se esquecemos o que vivemos no passado, podemos viver a mesma situação novamente, mesmo que de outras formas, então precisamos lembrar dos acontecimentos históricos que são tristes para que essas situações não aconteçam mais. 
AKEMI: Na Alemanha, eles têm um trabalho muito forte de explicar o que foi o nazismo, como é que eles fizeram mal né, essa ideologia, prendeu muita gente, matou muita gente, para que as pessoas, mesmo na Alemanha, entendam que aquilo foi ruim, né? 
FABÍOLA: Sim, aqui a gente tem vários projetos de museu da repressão, museu sobre a escravidão, que também são importantes para a nossa memória. 

SOBE SOM VAI (MENINA, AMANHÃ DE MANHÃ), TOM ZÉ
Menina, amanhã de manhã 
Quando a gente acordar 
Quero te dizer que a felicidade vai 
Desabar sobre os homens, vai 
Desabar sobre os homens, vai 
Desabar sobre os homens 

AKEMI: Para encerrar, eu quero relembrar uma fala da ex-presidenta Dilma Rousseff. Ela foi uma das pessoas presas e torturadas pela ditadura e há 10 anos, quando foram lembrados os 50 anos do golpe, ela falou exatamente da importância de se manter viva a memória dos tempos sombrios para que eles não ocorram de novo. 
SONORA DILMA 2014: A grande Hannah Arendt escreveu um dia que toda a dor humana pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história. A dor que nós sofremos, as cicatrizes visíveis e invisíveis que ficaram nesses anos, elas podem ser suportadas e superadas, porque hoje temos uma democracia sólida e podemos contar nossa história. Se existem filhos sem pais, se existem pais sem túmulo, se existem túmulos sem corpos, nunca, nunca, mas nunca mesmo pode existir uma história sem voz. E quem dá a voz à história são os homens e as mulheres livres que não têm medo de escrevê-la. E acrescento, quem dá voz à história somos cada um de nós, que no nosso cotidiano afirma, protege, respeita e amplia a democracia em nosso país. 

SOBE SOM VAI (MENINA, AMANHÃ DE MANHÃ), TOM ZÉ 28” 
Menina, ela mete medo 
Menina, ela fecha a roda 
Menina, não tem saída 
De cima, de banda ou de lado 
Menina, olhe pra frente, oi 
Menina, todo cuidado 
Não queira dormir no ponto 
Segure o jogo, atenção (de manhã) 
 
CRÉDITOS  
MADU:
Esse foi o segundo episódio do Podcast Crianças Sabidas, uma produção da Radioagência Nacional. Hoje falamos dos 60 anos do golpe militar de 1964. 
AKEMI: A produção, reportagem, roteiro e montagem foram minhas, Akemi Nitahara. 
MADU: Utilizamos as músicas do Chico Buarque Apesar de Você, Vai Passar, Acorda amor, Meu Caro Amigo e Cálice. Do Caetano Veloso entraram Terra, Tropicália, Maria Bethania e Divino Maravilhoso, na voz de Gal Costa. Também tocamos trechos de Comportamento Geral, do Gonzaguinha; Pra não dizer que não falei das flores, do Geraldo Vandré; Aquele Abraço e Back In Bahia, do Gilberto Gil; e Vai (Menina, amanhã de manhã), do Tom Zé. 
AKEMI: Coordenação de processos e edição de Beatriz Arcoverde. 
Gravação de Tony Godoy e Josemar França
Identidade sonora e sonoplastia de Jailton Sodré. 
MADU: Eu sou a Maria Eduarda, a perguntadeira! Acho que vou continuar participando desse podcast, tô achando muito legal! 
AKEMI: Nós também adoramos sua participação, Madu! Agradecemos também a professora Fabíola, que ajudou a gente hoje. Obrigada a você que nos acompanhou até aqui. No primeiro episódio do Crianças Sabidas, falamos dos 75 anos da Declaração dos Direitos Humanos. Conheça também outras produções da Radioagência Nacional, como as três temporadas do Histórias Raras e o especial com entrevistas sobre os 50 anos da cultura Hip Hop. Está tudo disponível nos tocadores de áudio e com interpretação em Libras no Youtube. Até a próxima! 

SOBE SOM TOM ZÉ 

 



Link da fonte aqui!