O avanço do inquérito sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes revelou um complexo emaranhado de crimes que vão além do plano de execução da parlamentar. As suspeitas envolvem desde o desvio de emendas parlamentares até o aparelhamento da Polícia Civil do Rio de Janeiro.
A Polícia Federal (PF) busca agora autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) para compartilhar provas com os órgãos competentes e assegurar que investigações autônomas sejam abertas.
A análise de documentos, celulares, pendrives, HDs e computadores apreendidos na Operação Murder Inc, que resultou na prisão do deputado Chiquinho Brazão e seu irmão, o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ), Domingos Brazão, trouxe novas revelações para a PF.
Nos últimos dois meses, agentes da PF examinaram o material para encontrar elementos que pudessem complementar o inquérito e corroborar as delações de Ronnie Lessa e Élcio Queiroz. Informações obtidas a partir dos arquivos e conversas expandiram os limites da investigação sobre a morte de Marielle, levando a PF a novas suspeitas. Um dos inquéritos requisitados envolve o possível desvio de emendas parlamentares. Segundo a PF, há indícios “veementes” de que o deputado Chiquinho Brazão e o ex-deputado Pedro Augusto Palareti direcionaram verbas para obter “vantagens indevidas”.
Conversas entre Robson Calixto da Fonseca, o “Peixe”, assessor de Domingos Brazão, e representantes da ONG Contato, beneficiada com emendas, sugerem um esquema de enriquecimento ilícito. A PF identificou uma “rotina de cobranças” do assessor à ONG, pedindo repasses a uma empresa ligada à própria família. Segundo os investigadores, Peixe queria “manter uma via de mão dupla”.
O material apreendido também reforçou as suspeitas sobre a evolução patrimonial da família Brazão. Contratos mostram que os irmãos Chiquinho e Domingos estão ligados a dezenas de imóveis na zona oeste do Rio, área dominada pela milícia, e a postos de combustíveis. A suspeita é que as transações imobiliárias e a rede de postos tenham sido usadas para lavar dinheiro de atividades ilegais.
“Ancorado na aparência de legalidade exalada pela profusão de sociedades empresárias de que é sócio, Domingos Brazão sequer se importava de escamotear das autoridades fiscais sua vertiginosa evolução patrimonial”, diz a PF. “Sua opção preferencial por investir em postos de combustíveis lhe proporcionou amplas oportunidades para o recebimento de milhões de reais em espécie, mediante depósitos nas empresas das quais era sócio.”
Outro pedido de investigação envolve o ex-chefe da Polícia Civil do Rio, Rivaldo Barbosa, e sua mulher, a advogada Érika Andrade de Almeida Araújo, apontada como testa de ferro do marido em empresas supostamente usadas para lavar dinheiro de propina. “Este excerto nada mais faz do que revelar a real motivação da constituição das empresas atreladas ao casal: a escamoteação de recursos ilícitos advindos da atividade desonesta de Rivaldo enquanto Delegado de Polícia Civil”, afirma a PF. “Érika, pessoa que não possuía os predicados necessários para atuar em tal atividade empresarial, atendia como intermediária de tais intentos criminosos.”
Conversas obtidas pela PF também revelam que servidores, sistemas e a estrutura da Polícia Civil eram usados para “fins particulares”.
A PF também pediu a investigação de Robson Calixto da Fonseca, o Peixe, por posse ilegal de arma de uso restrito. Durante a Operação Murder Inc, em março, a PF apreendeu com ele uma pistola da Secretaria de Polícia Civil do Rio. A arma tinha a gravação da sigla da Força Nacional de Segurança Pública no chassi e sua numeração estava raspada.