Os sucessivos alargamentos da Comunidade Económica Europeia – criada pelo Tratado de Roma de 1957 entre a França, Itália, República Federal da Alemanha, Bélgica, Holanda e Luxemburgo – resultaram de decisões estratégicas em que a componente de integridade territorial, segurança e defesa não assumia importância primordial.
Foi assim com a entrada do Reino Unido, Irlanda e Dinamarca, em 1973, com os alargamentos à Grécia (1981), Portugal e Espanha (1986), decorrentes da queda de regimes ditatoriais de direita, ou com a adesão da Finlândia, Suécia e Áustria à União Europeia (instituída pelo Tratado de Maastricht em vigor desde 1993) consumada em 1995.
Todos os novos estados com menor ou maior rigor tinham cumprido com critérios de entrada que tiveram uma definição mais precisa, de cunho necessariamente genérico para propiciar compromissos políticos, na Cimeira de Copenhaga, de 1993.
A estabilidade das instituições democráticas, o estado de direito, o respeito dos direitos humanos e proteção de minorias são apresentados desde então como essenciais para a concretização da adesão. Entre os critérios de Copenhaga, contam-se, em seguida, vetores económicos, como a existência de uma economia de mercado e a capacidade de enfrentar a concorrência e as forças de mercado.
Por fim, é tida em conta a capacidade administrativa e institucional para a implementação efetiva do acquis comunitário, ou seja, das disposições legais e obrigações que unem os Estados-membros.
Depois do comunismo
A desagregação dos regimes comunistas na Europa, ocorrida entre 1989-1991, a reunificação da Alemanha (1990) associada à dissolução da União Soviética (1991), tiveram, contudo, implicações mais abrangentes que condicionaram as negociações.
A articulação com processos de adesão à NATO – iniciados com a entrada da Hungria, Polónia e República Checa em março de 1999 – fez, desde logo, a questão de segurança assumir, pela primeira vez, um relevo fundamental.
Assim, a declaração da Cimeira de Helsínquia, de dezembro de 1999, referindo o processo de alargamento a mais 13 países iniciado dois anos antes, “sublinha o princípio de resolução pacífica de disputas de acordo com a Carta das Nações Unidas e insta os Estados-candidatos a encetarem todos os esforços para solucionarem quaisquer disputas fronteiriças pendentes e outras questões relacionados. Na ausência de resolução num período razoável deverão colocar a disputa à consideração do Tribunal Internacional de Justiça”.
O alargamento de maio de 2004 consolidou a incorporação num espaço político-económico-militar alheio ao sovietismo e a tradicionais pretensões de Moscovo a esferas de influência reservadas de estados como a Estónia, Letónia e Lituânia. A importância do distanciamento em relação à Rússia era notória também no caso de antigos estados dependentes de Moscovo e agregados ao Pacto de Varsóvia como a Polónia, a República Checa, a Eslováquia e a Hungria.
A Eslovénia surgia como uma primeira incorporação balcânica e incentivo à estabilização das demais entidades emergentes da desagregação da República Socialista Federativa da Jugoslávia entre 1991 e 1992. Se, ainda nas margens do Mediterrâneo, a adesão de Malta não levantava problema, a exigência de Atenas de incorporação de Chipre obrigou a uma entorse grave em matéria de respeito pelos critérios de integridade territorial.
O nordeste da ilha encontrava-se sob o controlo da República Turca do Norte do Chipre, entidade estabelecida após a invasão turca do verão de 1994 e reconhecida exclusivamente por Ancara.
A excecão turca
As negociações para adesão da Turquia que solicitara a abertura de negociações em 1987, firmara um acordo aduaneiro em 1995 e obtivera o estatuto de Estado-candidato em 1999, iniciaram-se, por sua vez, em outubro de 2005. Poucos estados partilhavam, contudo, o interesse de Londres na concretização de um acordo com Ancara e Recep Erdogan, que desde 2003 se impunha como homem-forte num país com mais de 80 milhões de habitantes –, mais populoso do que a Alemanha – e que prosseguia políticas frequentemente contrárias aos interesses e valores democráticos da UE.
2016 foi o ano em que Angela Merkel negociou um iníquo acordo da UE para conter na Turquia, a vaga de emigrantes e refugiados – sobretudo sírios, iraquianos, curdos e afegãos – que em 2015 desencadeara uma crise migratória sem precedentes desde 1945 com 1,3 milhões de pedidos de asilo em estados europeus.
Foi também o ano em que, tendo sido fechados apenas 16 dos 35 capítulos da negociação, o processo de adesão da Turquia ficou, de facto, suspenso indefinidamente, não existindo sequer conversações para rever e alargar o acordo comercial de 1995.
A ameaça russa
Na orla balcânica, com muitas apreensões e restrições, a Roménia e a Bulgária conseguiram concretizar a adesão em 2007, chegando a vez da Croácia em 2013.
Uma sucessão de crises de dívida soberana abalou a zona euro a partir de 2009, afetando gravemente Portugal, Grécia, Espanha, Itália e Irlanda, a que se sucederiam outras emergências como o Brexit – desencadeado pelo referendo britânico de junho de 2016 e consumado em janeiro de 2020 – e a pandemia de covid-19, mas o panorama estratégico vinha a alterar-se drasticamente sem que a maior parte das capitais europeias tirasse consequências.
Em agosto de 2008 a Rússia impôs-se militarmente à Geórgia para garantir a secessão da Ossétia do Sul e da Abkázia. A guerra no Cáucaso resolvia a favor de Moscovo um impasse em conflitos congelados desde a dissolução da URSS e confirmava o desígnio do regime de Vladimir Putin em recuperar e na medida do possível alargar o controlo sobre antigos territórios da Rússia czarista e da União Soviética.
A rebelião fomentada por Moscovo no leste da Ucrânia e a subsequente invasão e anexação da Crimeia, em 2014, levaram a Rússia a reforçar o apoio aos separatistas da Transnístria que ocupam desde 1990 uma faixa do território da Moldova fronteiriço à Ucrânia.
O apoio de Moscovo é essencial para manterem este status quo que compromete a adesão de Chisinau.
Com a Bielorrússia na sua órbitra, Putin arriscou desencadear uma invasão em larga escala da Ucrânia em fevereiro de 2022 e, só então, Berlim, Paris e Roma começaram efetivamente a levar em consideração os alertas de Varsóvia, Vilnius, Riga e Talin contra o expansionismo russo.
Prioridades políticas
Ao abrir as negociações de adesão em dezembro de 2023 com a Ucrânia e Moldova, confirmando igualmente o estatuto de país-candidato à Geórgia, os 27 valorizaram notoriamente a vertente política. Nenhum destes estados reúne sequer remotamente condições para integrar a curto prazo a União Europeia mesmo que o presidente do Conselho, Charles Michel, aponte 2030 como data viável de adesão para a Ucrânia.
O destino de Kiev está dependente do curso da guerra e a Ucrânia é único estado apostado na adesão com significativa dimensão económica e populacional, superando os 30 milhões de habitantes. Os demais têm um peso demográfico reduzido, oscilando entre os cerca de 7 milhões da Sérvia os pouco mais de 600 mil habitantes do Montenegro.
Tirando o processo expedito de apenas 23 meses de negociações com a Áustria, Suécia e Finlândia, o processo é, por regra, demorado.
As negociações com Reino Unido, Irlanda, Dinamarca, Eslováquia, Lituânia, Letónia e Malta levaram quatro anos e dois meses e outros processos variaram entre os quatro anos e cinco meses (Grécia) e seis anos e um mês para a República Checa, Polónia, Hungria, Estónia, Eslovénia e Chipre.
Seis anos e dez meses foi o tempo de negociações de Bruxelas com a Espanha, Bulgária e Roménia.
Já Portugal apresentou a candidatura em março de 1977 e tornou-se membro em janeiro de 1986, num dos processos mais arrastados só superado pela Croácia que levou dez anos e cinco meses.
A urgência política de demonstração de apoio não se compadece com a dificuldade e morosidade de negociação técnica.
O apoio político é justificado pela adesão no presente momento dos governos dos estados candidatos aos valores da União Europeia tal como os define o Artigo 2.º do Tratado de Lisboa: “Respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias. Estes valores são comuns aos Estados-Membros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres”.
A instabilidade como imagem de marca
Em países de marcada instabilidade política, como a Geórgia e Macedónia do Norte (com significativa minoria albanesa e relações tensas com a Bulgária e Grécia e em negociações desde março de 2022), não é seguro que tal apoio a valores europeus ou o interesse na integração ou alinhamento com os 27 seja consistente.
A declaração da Cimeira EU-Balcãs Ocidentais destaca, precisamente, a necessidade de “soluções definitivas, abrangentes e vinculativas das disputas regionais e bilaterais dos parceiros e das questões radicadas no legado do passado, de acordo com a lei internacional e os princípios estabelecidos, incluindo o Acordo Questões de Sucessão (da Antiga República Federativa Socialista da Jugoslávia, celebrado em 2001), e os casos pendentes relativos a pessoas desaparecidas e crimes de guerra”.
O comunicado final da Cimeira de Bruxelas, de 13 de dezembro de 2023, refere, ainda, o imperativo de garantir “os direitos e igualdade de tratamento de pessoas pertencentes a minorias”.
Muito longe destes objetivos encontra-se a Bósnia-Herzegovina (Estado-candidato desde dezembro 2022) em risco de desagregação devido aos conflitos entre as comunidades de bósnios muçulmanos, católicos croatas e ortodoxos sérvios. Idêntica situação se verifica no Montenegro (em negociações desde junho de 2012) onde é vivaz o antagonismo com a minoria sérvia e na Albânia (com negociações abertas em julho de 2022) que tem um diferendo territorial com a Grécia no Mar Jónio a agravar um histórico de conflitos étnicos e religiosos entre os dois países.
A Sérvia depois de abrir negociações em junho de 2012 seguiu uma trajetória marcada por conflitos com os estados vizinhos e um alinhamento pró-russo.
O Kosovo, por sua vez, ainda não teve resposta ao pedido de candidatura apresentado em dezembro de 2022 e a sua declaração de independência unilateral da Sérvia de fevereiro de 2008 não é reconhecida pela Grécia, Roménia, Eslováquia, Chipre e Espanha.
Reformas institucionais e expedientes
Os alargamentos implicam e condicionam negociações institucionais na União Europeia que obrigam a considerar revisões dos Tratados. Uma vez mais estão em discussão entre os 27 questões como direito de veto e maiorias qualificadas, número e competências dos membros da Comissão ou ponderação da dimensão das representações nacionais no Parlamento Europeu.
Cooperações reforçadas com um mínimo de nove estados – caso da área de defesa –, derrogações – a da Dinamarca em políticas de assuntos internos e de justiça –, integrações parciais e graduais – a exemplo da Roménia no Espaço Schengen – ou adiamento de compromissos como faz a Suécia que – apesar de cumprir os critérios requeridos para a adoção obrigatória, mas sem prazo definido, da moeda única –, opta por não aderir ao euro vigente em 20 dos 27 estados, têm sido até agora soluções de expediente.
No imediato tudo está pendente das eleições para o Parlamento Europeu que, num contexto de conflitos militares na Europa e no Médio Oriente e na expectativa das votações de novembro nos Estados Unidos, virão reconfigurar as relações de força na União Europeia.
As sondagens sobre intenções de voto nas eleições que decorrem entre 6 e 9 de junho, realizando-se em Portugal no dia 9, indicam um aumento significativo do voto em partidos de direita radical e extrema-direita, designadamente em França, na Alemanha e na Áustria.
A confirmarem-se estas tendências muito terá de ser rever em matéria de perspetivas políticas para o alargamento da União Europeia.