“Certa vez, quando ela tirou o moletom, eu percebi que ela havia cortado, chegou a cortar os pulsos, mas assim, feriu o pulso dela, os pulsos, depois o braço todo. Uma outra vez eu vi também o braço e aí eu decidi procurar terapia”.
Ana Maria ficou em alerta quando percebeu o uso constante de roupas de mangas compridas da filha adolescente, até mesmo no calor.
A taxa de suicídio entre jovens de 10 a 24 anos no Brasil cresceu 6% ao ano, entre 2011 e 2022. No mesmo período, os casos de autolesões, como o da filha de Ana Maria, registraram uma alta ainda maior, de 29% ao ano.
Os números são de um estudo da Fiocruz Bahia, em colaboração com pesquisadores da Universidade norte-americana de Harvard. Mas, não é só em casa que a autolesão preocupa. Na escola, onde os jovens passam a maior parte do tempo, a atenção também é necessária.
“No meio da aula, o adolescente puxa a manga para cima, aí você vê o braço todo cheio de marca, puxa a cicatriz. Comigo não aconteceu, mas assim, como a gente tem semanalmente uma reunião coletiva para tratar do que acontece dentro da escola, a gente acaba compartilhando”.
Vivian Nickel é professora do Ensino Fundamental II em uma escola da rede pública do Distrito Federal. Ela conta como se dá o encaminhamento dos casos.
“A partir da identificação, então, os casos são relatados para a supervisão escolar, que encaminha para o atendimento, enfim, do psicólogo na escola. Não é para fazer um acompanhamento clínico, mas a gente traça um perfil, faz um levantamento dos dados do estudante, chama a família, relata e sugere encaminhamento para a rede de saúde”.
O psiquiatra Rodrigo Bressan, do Instituto Ame sua Mente explica que a autolesão é realmente uma das maiores preocupações que afligem os professores.
” A gente fez uma pesquisa e notou que dos dez tópicos mais importantes de preocupação do professor, que é recursos para dar aula, assiduidade, todas as questões, a autolesão é uma das principais”.
O psiquiatra defende que educadores e gestores sejam treinados para fazer uma abordagem cuidadosa ao aluno que externa uma dor mental ao se autolesionar.
“O que a gente faz é sempre agir com descrição, não expor esse jovem, cuidar das pessoas mais próximas, conversar com o melhor amigo ou outra pessoa que esteja perto e monitorar as pessoas que estão em risco para autolesão. Monitorar no melhor sentido da palavra, ver como é que estão os níveis de estresse dessa pessoa, abrir um diálogo de forma a prevenir situações desse tipo.
O país conta com uma Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, que determina a notificação compulsória de casos pelos hospitais. O SUS conta com uma Rede de Atenção Psicossocial.
No mês passado, foi sancionada a lei que institui a Política Nacional de Atenção Psicossocial nas Comunidades Escolares para promover a saúde mental de alunos, professores e demais profissionais que atuam na escola, além de pais e responsáveis.
*Com produção de Dayana Vitor e sonoplastia de Jailton Sodré